segunda-feira, 20 de abril de 2015

A Criança e o Desenho

Sabe-se que o desenvolvimento motor de uma criança segue algumas etapas que foram definidas a partir de estudos da área da pedagogia e da psicologia infantil e vale lembrar que é através de observações, descobertas e teorias traçadas por especialistas que se pode compreender a percepção do eu, do outro e do mundo através das representações simbólicas impressas nos desenhos infantis. Através do desenho, a criança naturalmente cria e recria formas expressivas onde integra a imaginação e a realidade fazendo com que seu desenho seja um canal de comunicação entre ela mesma e o mundo exterior sem os obstáculos, regras e noções estéticas sociais que futuramente possa absorver. Estudiosos de várias épocas e várias correntes dedicaram um tempo especial em suas pesquisas com observações, registros e organizações de dados sobre as fases do desenho infantil e entre tantos merecem destaque: Georges Henry Luquet (1876 – 1965): filósofo e etnógrafo francês conhecido como o pioneiro no estudo do desenho infantil, ele partiu da observação dos desenhos que sua filha Simone fazia para fundamentar suas pesquisas sobre o tema para sua tese de doutorado. Seu método de estudo partia de uma análise “monográfica” onde ele acompanhava e registrava todas as ações e verbalizações da filha antes, durante e depois do ato dela desenhar. Segundo ele toda criança desenha para se divertir e afirma em sua teoria que o repertório gráfico infantil está condicionado pelo meio onde a criança vive e que a intenção de desenhar está diretamente ligada a objetos reais e a associação de idéias. Luquet distingue quatro estágios para o desenho infantil. São eles: • Realismo Fortuito: (inicia por volta dos 2 anos de idade) a criança verifica que os seus traços produziram acidentalmente uma semelhança não procurada, isto é, é a partir das tentativas favorecidas pela tendência ao automatismo gráfico imediato que a habilidade gráfica melhora e a criança adquire êxito em seus desenhos através da grafia total pondo fim ao período chamado rabisco e passando a nomear os seus desenhos. • Realismo Falhado: (normalmente entre 3 e 4 anos de idade) nessa fase a criança tem a intenção de desenhar algo com determinado aspecto, mas não consegue devido a dois obstáculos: o de ordem motora (quando não têm o controle total de seus movimentos) e o de ordem psíquica (referente ao caráter de tempo limitado e descontínuo da atenção infantil). • Realismo Intelectual: (estende-se dos 4 aos 10 e/ou 12 anos de idade) a criança incluí em seus desenhos elementos que só existiam em sua mente e faz uso de transparências, planificação, rebatimento e mistura variados pontos de vista. • Realismo Visual: (geralmente por volta dos 12 anos de idade) nessa fase a criança substitui a transparência pela opacidade e o rebatimento e a mudança de ponto de vista pela perspectiva. Luquet ressalta que a mudança do realismo intelectual para o visual; que caracteriza o desenho do adulto; dá-se geralmente entre os 8 e 9 anos de idade, mas explica que em alguns casos quando se manifesta bem mais cedo, algumas pessoas adultas ainda podem permanecer na fase do realismo intelectual. Segundo o estudioso há outro aspecto do desenho infantil que deve ser levado em consideração além dos quatro estágios citados acima que é a “narração gráfica”. Como a criança; ao desenhar uma história; escolhe naturalmente a melhor maneira de traduzi-la para o papel, ele apresenta três características para esse processo que são classificadas em forma de solução. São elas: 1. Narração Gráfica do tipo Simbólica: (usada por crianças ou adultos) onde é escolhido o momento mais marcante da história para ilustrá-la. 2. Narração Gráfica do tipo Epinal: (usada por crianças ou adultos) onde a história é ilustrada em várias imagens, como nas histórias em quadrinho. 3. Narração Gráfica do tipo Sucessiva: (usada apenas por crianças) onde são reunidos elementos pertencentes a diversos momentos da história em um único momento ilustrado. Jean Piaget (1896 – 1980): psicólogo e filósofo suíço, foi um grande estudioso do campo da inteligência infantil que observou seus filhos e desenvolveu estudos sobre a aprendizagem como um processo de reorganização cognitiva. Com relação ao desenho infantil a análise piagetiana apresenta algumas fases. São elas: • Garatuja: (estágio Sensório Motor) ao completar um ano de idade, a criança passa pelo estágio da garatuja onde ela sente prazer em traçar linhas em todos os sentidos sem levantar o lápis do papel como se esse fosse o prolongamento de sua mão. Como nessa fase os desenhos estão em relação direta com o “eu” (ego), eles refletem momentos distintos na criança que podem representar felicidade (através de traços fortes que ocupam em sua maioria um grande espaço do papel), comportamentos instáveis (através de quedas constantes dos lápis das mãos) e quando não estão se desenvolvendo bem (visualmente percebido quando não sabem segurar o lápis) Nessa fase à figura humana é inexistente ou pode aparecer da maneira imaginária e o uso das cores tem um papel secundário o que faz com que apareça o interesse pelo contraste. Até os dois anos de idade a criança desenha sem intenção consciente o que divide a garatuja em dois momentos. São eles: 1. Garatuja Desordenada: percebida através dos movimentos amplos e desordenados onde o desenho ainda é um exercício, pois não há preocupação com a preservação dos traços uma vez que eles são cobertos com novos rabiscos várias vezes. 2. Garatuja Ordenada: percebida através do uso de movimentos longitudinais e circulares nos desenhos o que caracteriza o início do interesse pelas formas através de uma exploração maior do traçado no papel. • Pré-Esquematismo: (estágio Pré-Operacional) com três anos de idade a criança já atribui significado ao que desenha fazendo riscos na horizontal, vertical, espiral e círculos apesar de não nominar o que faz. Com relação ao uso das cores em suas produções, ela ás vezes pode usar, mas não há uma relação forte com a realidade, pois depende do interesse emocional já que os elementos são dispersos e não relacionados entre si. Como aos quatro anos ela já é capaz de projetar no papel o que ela sente mesmo sendo incapaz de aceitar o ponto de vista de outra pessoa diferente do dela, até os seis anos o grafismo irá representar uma fase mais criativa e diversificada nas produções proporcionando uma descoberta maior nas relações entre desenho, pensamento e realidade. • Esquematismo: (estágio Operações Concretas) a partir dos sete anos de idade as operações mentais da criança ocorrem em resposta a objetos e situações reais e com isso ela compreende termos de relações como: maior, menor, direita, esquerda, mais alto, mais largo, etc. Apesar de apresentar dificuldade com os problemas verbais, ela ainda traça a chamada “linha de base” como aos seis anos apesar de representar a figura humana com alguns desvios como: exageros, negligências e omissão ou mudança de símbolos. Nessa fase a criança descobre as relações de cor, cor-objeto e progressivamente começa a desenvolver a capacidade de se colocar no ponto de vista do outro. Ao final do estágio das Operações Concretas, o desenho infantil apresenta a fase do Realismo onde a criança utiliza bastante as formas geométricas em seus desenhos com maior rigidez e formalismo e acentuam-se os usos das representações de roupas para distinguir os sexos. • Pseudo Naturalismo: (estágio Operações Formais e/ou Abstratas) a partir dos doze anos de idade o pensamento formal da criança é hipotético-dedutivo, isto é, ela é capaz de deduzir as conclusões de puras hipóteses e não somente através de observação real. Diante disso, essa fase do desenho infantil é marcado pelo fim da arte como atividade espontânea e passa a ser uma investigação de sua própria personalidade buscando profundidade e uso consciente da cor. Na figura humana as características sexuais são exageradas existindo a presença detalhada das articulações e das proporções. Viktor Lowenfeld (1903 – 1960): educador e psicólogo austríaco, ele publicou inúmeros artigos sobre arte-educação onde qualificava a arte como catalisadora da criatividade. Segundo ele a expressão gráfica do desenho acontece em fases conforme o desenvolvimento em cada idade. São elas: • Fase dos Rabiscos: é quando a criança faz os primeiros rabiscos de forma desordenada simplesmente como atividade cinestésica. Após seis meses de rabiscos, os traços são um pouco mais ordenados e a criança nomeia os rabiscos. Assim como outros estudiosos ele classifica os rabiscos e/ou garatujas em três estágios. São eles: 1. Garatuja Desordenada (um ano e meio e dois anos de idade): esse tipo de rabisco é percebido quando a criança faz traços simples em forma de linhas que seguem em todas as direções. A criança rabisca sem um planejamento prévio ou controle de suas ações e nem sempre olha para a folha de papel ao desenhar, ultrapassando o limite do papel e procura vários meios para segurar o lápis. 2. Garatuja Ordenada (a partir de dois anos de idade): ocorre quando a criança descobre que existe ligação entre seus movimentos e os traços que faz no papel, passando do traçado contínuo para o descontínuo. Nesse estágio a criança troca intencionalmente de cor e começa a fazer formas circulares, porém não faz relação entre o que desenhou e a realidade. 3. Garatuja Nomeada (três anos de idade): nessa última etapa da garatuja, a criança começa a fazer comentários verbais sobre o desenho que fez e passa a dar nome à garatuja. Nesse estágio é possível observar que a criança passa mais tempo desenhando e distribui significativamente melhor o traço no papel e os movimentos circulares e longitudinais convertem-se em formas reconhecíveis. Pouco a pouco a criança passa a atribuir significado a seus desenhos nominando-os. • Fase Pré-Esquematica: (dos quatro aos seis anos de idade) a criança realiza as primeiras tentativas de representação da figura humana. As linhas se fecham e geralmente utilizam o círculo para representar a cabeça e duas linhas verticais para as pernas. Nessa fase o desenho não forma um conjunto organizado e por esse motivo a criança desenha o que sabe do objeto e não o que vê e ainda não há uma relação temática e espacial entre os objetos desenhados. • Fase Esquemática: (entre sete e nove anos de idade) nessa fase a criança chega a um “esquema”, uma maneira definitiva de retratar um objeto, embora possa ser modificado quando ele precise retratar algo importante. Os desenhos nessa fase simbolizam de modo descritivo o conceito de forma definida, isto é, existe uma ordem nas relações espaciais e entre objetos, seus temas e suas cores. Ao retratar as coisas da terra a criança as desenha na borda inferior do papel e as coisas relativas ao céu na parte superior da folha. • Fase de Gangue – Amanhecer do Realismo: (aos dez anos de idade) a criança nessa fase descobre que a generalização esquemática já não permite expressar a realidade e por esse motivo surge o alvorecer de como as coisas podem ser na verdade. Através do desenho a criança coloca objetos sobrepostos em uma linha do horizonte e não mais na “linha de base” e começa a comparar o seu trabalho com os dos colegas tornando-se mais crítica. • Fase Pseudo Naturalista: (aos doze anos de idade) nessa fase a criança mantém o foco no produto final se esforçando para criar um desenho que caso um adulto aprecie ele goste. Nessa fase é comum surgir uma preocupação com o tamanho dos objetos, seu espaço, dobras e movimentos. • Fase de Decisão: (aos quatorze e dezesseis anos de idade) o desenho e conseqüentemente a arte nessa fase da vida é algo a ser feito ou deixado de lado. Os jovens são criticamente conscientes e devido à imaturidade são facilmente desencorajados. É de suma importância citar que dependendo do nível de estímulos a que uma criança é exposta ao longo de seu desenvolvimento, ela pode passar ou não pelas fases descritas pelos estudiosos e que o importante é respeitar a fase de maturidade cognitiva e motora das crianças visto que isso pode variar de uma para a outra. Desenhar é auxiliar a ver, instigar a leitura de mundo e de existência. Como o desenho envolve atitude e nem sempre é um fim em si, ele revela uma linguagem própria na qual a criança manifesta o que vê, ouve, pensa e sente. Vale lembrar que o encanto pelo ato de desenhar se estende por toda a infância e que isso pode desaparecer gradualmente com a chegada do início da adolescência, pois as crianças se tornam mais críticas e exigentes consigo mesmas. Estudos comprovam que isso acontece devido ao fato de algumas crianças apresentarem certa dificuldade em atingir o realismo visual o que acarreta um quadro de desânimo e conseqüentemente é gerada naturalmente uma desistência do ato de desenhar. Daniella Magnini Baptista Pedagoga

Dislexia

Nos últimos anos tem havido um interesse crescente no mundo científico em diferentes áreas do conhecimento da dislexia envolvendo desde o conhecimento biológico como a neurofisiologia, a neuropatologia, a neuropsicologia bem como as ciências humanas básicas da educação e a linguística. Tal interesse tem base primeiramente na alta prevalência da dislexia, que em estudos epidemiológicos situa-se entre 1 a 5 % da população em idade escolar, daí seu grande impacto. Por outro lado, há fatores de natureza teórico-científica uma vez que a dislexia abre uma janela para a compreensão das relações múltiplas e complexas do cérebro com as chamadas funções psíquicas, cognitivas e comportamentais. Portanto o estudo da dislexia constitui-se em um campo fértil para a compreensão de fatores múltiplos, educacionais, biológicos e socio-culturais do desenvolvimento humano. As técnicas de neuroimagem contribuíram para isto? A recente explosão de métodos da neuroimagem funcional permitem que visualizemos em tempo real as mudanças do metabolismo cerebral, do fluxo sanguíneo, da atividade elétrica cerebral durante tarefas de natureza cognitiva e comportamental envolvidas no processo de aprendizado, da leitura e escrita, na delimitação de uma verdadeira topografia funcional viva e orgânica das áreas cerebrais que são recrutadas em indivíduos normais e com dificuldade de aprendizado. O conhecimento da dislexia é recente? As teorias da base orgânica e neurológica da dislexia tem origens no final do século XIX, quando o neuropatologista francês Djerine (1891) encontrou em autópsias de indivíduos que tinham perdido a capacidade para a leitura, extensa lesão do lobo parietal inferior esquerdo região conhecida com giro angular, atribuindo-se a esta região a denominação de “centro da imagem óptica das palavras”. O oftalmologista escocês James Hinshewood e o médico inglês Pringle Morgan (1851) notaram que certos sintomas da dislexia eram semelhantes aos indivíduos que apresentavam estas lesões cerebrais e que denominaram de cegueira visual para as palavras. Mas foi somente em 1917 que foi encontrado distúrbio do desenvolvimento parietal em um paciente com alexia, e a confirmação em autópsia foi somente descrita em 1968. O neurologista americano Samuel Orton (1925), propos que a dislexia na verdade estaria relacionada a pobre lateralização das funções hemisféricas, teoria que foi expandida somente muitos após pelos trabalhos originais de Albert Galaburda e Norman Geshwind sendo inferida um aumento da prevalência de sinstralidade (canhotos) além da relaçào com assimetria atípica funcional e de áreas da anatomia cerebral relacionadas a linguagem. Mas o que significa dislexia? A conceituacão da dislexia é bastante variável de acordo com os vários autores. É definida de maneira ampla, como uma dificuldade de aquisição da leitura apesar de inteligência normal e oportunidade econômica adequada. Assim são excluidos os casos de inteligência limítrofe, baixa estimulação psicosocial, erros pedagógicos (como alfabetização precoce) e fatores de natureza emocional. Assim a dislexia deve ser vista enquanto distúrbio neuropsicológico de natureza maturacional. Neste sentido a dislexia pode estar traduzindo dificuldades na transposição de palavras e idéias no papel seguindo as regras gramaticais, de acento, ortografia e pontuação corretas. O conceito atual adotado pela OMS conceitua a dislexia como uma “dificuldade específica de leitura, não explicada por déficit de inteligência, oportunidade de aprendizado, motivação geral ou acuidade sensorial diminuída seja visual ou auditiva. A presença de antecedentes neurológicos ou baixa inteligência afasta dislexia? Em uma contextualização mais estrita a dislexia é diagnosticada em crianças com nível mental adequado, estabilidade emocional sem antecedentes mórbidos prévios, embora uma proporção de casos haja sobreposição de queixas, comorbidade como dificuldade de serialização temporal, dificuldade na nomeação e de conceitos temporais como antes/depois, espaciais como sobre/sob, memorização de lista de números e para seqüências incluindo as atividades de planejamento motor. Alguns autores utilizam o termo “dislexia secundária”para denominar os casos com antecedentes mórbidos pré-ou perinatais com anoxia neonatal ou com achados significativos em exames de neuroimagem . Dislexia é o mesmo que Disritmia ou Disfunção Cerebral Mínima? É importante que se evitem termos vagos e inadequados como déficit perceptual, disritmia, Disfunção Cerebral Mínima, uma vez que tais termos causam mais confusão conceitual e ligam a dislexia a alterações do funcionamento elétrico cerebral ou a tratamentos medicamentosos polêmicos e injustificados, embora infelizmente ainda utilizado por alguns profissionais. A dislexia é mais freqüente em meninos? Do ponto de vista epidemiológico, sabe-se que a dislexia tem predomínio no sexo masculino em proporção de 2 até 5 de meninos para 1 caso em meninas, tem também ocorrência familiar freqüente. Como é o exame neurológico das crianças com dislexia? Do ponto de vista do desenvolvimento neurológico as crianças com dislexia tem um histórico sem anormalidades mas muitas vezes há atraso nas funções que envolvem a manipulação de signos de linguagem relacionadas ao conhecimento e nomeação das cores, consciência fonológica (como na pré-escola saber com que letra tal palavra começa, reconhecer rimas). Embora o exame neurológico tradicional seja habitualmente normal, o exame mais minucioso pode revelar dificuldades em provas relacionadas a realização de movimentos alternados e a presença das chamadas sincinesias de imitação, como a realização concomitante de movimentos como a mão contralateral a que executa os movimentos. As alterações mais significativas ao exame são aquelas relacionadas com as provas gráficas, mostrando-se freqüentemente erros por inversão ou espelhamento de letras, reversão silábica, equivalência fonética, encurtamento de palavras, soletraçào bizarra, signos retorcidos (estrefosimbolia), substituição fonético-semântica nos ditados, leitura labial mesmo quando em leitura silenciosa.Há alterações disgráficas frequentes com letra grande, desalinhada, preferência por letra de forma (bastão) em relação a letra cursiva. Freqüentemente, com uma proporção que varia de 30 até 70% em algumas séries há comorbidade, isto é, associação de distúrbio da leitura com outras condições neuropsicológicas específicas como transtorno do déficit de atenção/concentração (TDA/H), discrepância verbal-execução nos testes de nível mental, disgrafia, discalculia, dificuldade em provas que medem a habilidade de reprodução rítmica, desorientação direita-esquerda e velocidade lenta em tarefas manuais seqüenciais. Toda criança com dificuldade para aprender a ler tem dilexia? Absolutamente não. É importante que os profissionais envolvidos com o diagnóstico de dislexia conheçam também os limites do diagnóstico uma vez que variações neuro-maturacionais na aquisição da leitura podem ser bastante amplas. Assim não é incomum algumas crianças pequenas ainda com poucas habilidades fonológicas serem rotuladas de disléxicas quando na verdade ainda não adquiriram a maturidade necessária para o desenvolvimento das funções lingüísticas. É o preço que se paga por muitos métodos de alfabetização precoce e uma cobrança inadequada de algumas escolas ou mesmo da própria família na pré-escola. Assim recomenda-se não se diagnosticar como disléxicas crianças que ainda não adquiriram a leitura antes dos 7 anos de idade uma vez que o diagnóstico muitas vezes requer uma atraso de 2 anos da idade de leitura da criança. Isto não significa que não se deva fazer um trabalho de estimulação preventivo nas crianças com 7 anos que ainda não adquiriram qualquer habilidade de leitura e escrita. Como se diagnostica a dislexia? A avaliação diagnóstica é multidisciplinar e feita por um trabalho de equipe de profissionais experientes como neurologistas, neuropsicólogos e fonaudiólogos. Deve envolver um amplo espectro de testes de inteligência padronizados, questionários para escola e familiares, afastando-se causas sensoriais (visuais, auditivas), além de exame neurológico minucioso. Exames de neuroimagem são importantes para o diagnóstico? Não, o exame é útil para afastar-se outras causas da dificuldade de leitura e escrita e apenas algumas crianças devem submeter-se a exploração de neuroimagem principalmente aquelas em que suspeita-se de causas lesionais ou progressivas na associadas a achados neurológicos positivos na ananmnese (queixas de convulsões, dores de cabeça, dificuldades motoras) ou no exame neurológico. Assim uma investigação etiológica armada é indispensável nos casos que apresentam por exemplo dificuldades motoras em provas de coordenação, na presença de antecedentes de traumatismo craniano ou na suspeita de alterações de natureza progressiva. Como se dá o desenvolvimento da leitura e escrita na criança? O processo maturacional envolve desde uma fase pré-gráfica na fase de rabiscos e garatujas, passa por uma fase figurativa pré-silábica, e o desenvolvimento da fase silábico-alfabética envolve uma representação neuropsicológica ampla que relaciona-se às chamadas transposições visuais e auditivas que dependem da integridade funcional de estruturas cerebrais localizadas em áreas cerebrais posteriores responsáveis pelo reconhecimento visual e organização espacial dos grafemas. Estruturas do lobo temporal (auditivas) estão envolvidas na transposição acústica. Assim desenvolver leitura envolve estruturas amplas dos dois hemisférios cerebrais e também áreas de integração inter-hemisféricas. Neste sentido qualquer processo que dificulte os vários níveis de processamento neurospsicológico podem levar a dificuldades na aquisição da leitura e escrita. Existem tipos diferentes de dislexia? Tem sido descritas várias propostas de classificação da dislexia baseadas nos diferentes níveis de disfunção nas provas neuropsicológicas. Assim temos a dislexia de superfície (grafêmica) versus a dislexia fonológica, o tipo visual e o auditivo, o espacial e o linguístico, a dislexia anterior versus a posterior, a qual atribui-se às diferentes manifestações, sejam da transposição visual ou gráfica sejam da transposição fonológica, o papel fisiopatológico predominante. De uma maneira geral grande parte dos disléxicos apresentam distúrbios predominantemente fonológicos e mistos. Quais as causas da dislexia? Não se conhece uma causa única e há apenas hipóteses etiológicas. Tais hipóteses podem ser agrupadas nos chamados modelos neurológicos estruturais, ressaltando-se as alterações orgânicas e as assimetrias e as funcionais que assinalam os fatores ligados a assimetria hemisférica e a maturação como os implicados na lateralidade, e nos diferentes níveis de processamento visual e temporal da informação. Estas incluem a hipótese genética sendo implicado o cromossoma 15 e 6. A hipótese de dominância cerebral atípica, de disfunção parietal (baseados nos poucos estudos neuropatológicos que encontram pos-mortem uma proporção de até 40% de displasia cerebral e distúrbios de migração neuronal. Há também teorias visuais, embora pouco aceitas atualmente que relacionam a dislexia ao predomínio da visào perférica (disfunção do sitema magno-celular) e ás alterações no processamento temporal da informação. Existe alterações no cérebro dos pacientes com dislexia? Tem sido descrito que os disléxicos podem apresentar alterações na espessura do conjunto de fibras que unem o lado direito e esquerdo do cérebro conhecido como corpo caloso, principalmente em sua porção posterior. Isto poderia explicar-se pela função compensatória ou mesmo pela plasticidade cerebral em indivíduos sumetidos a reabilitação cognitiva. Estudos anátomo-patológicos tem mostrado alterações da citoarquitetura neuronal em áreas relacionadas ao lobo frontal e temporal esquerdo, distúrbios que iniciam-se a partir do 6 mês de gestação além da descrita ausência de assimetria em áreas relacionadas à linguagem. Tais distúrbios podem ser atribuídos a desvios no processo maturacional com causas múltiplas. Exames de Eletrencefalografia auxiliam o diagnóstico? O diagnóstico da dislexia é clínico. Alguns estudos referem alterações neurofisiológicas como a modificações dos ritmos elétricos cerebrais durante a leitura. Assim são descritas alterações no mapeamento eletrencefalográfico computadorizado (Mapa Cerebral) e mais recentemente nos potenciais evocados cognitivos. Nos estudos com mapeamento cerebral há relatos de assimetria dos ritmos alfa durante a estimulação em provas de leitura. Em crianças normais a leitura pode levar a uma maior dessincronização de ritmos com aumento da freqüência e diminuição da amplitude da faixa alfa e nos disléxicos isto pode não ocorrer ou há alentecimento do ritmo alfa posterior. Também foi descrito mais recentemente maior latência dos potenciais evocados cognitivos como o P300 em disléxicos. Testes do Processamento auditivo podem mostrar-se alterados? Acredita-se que em alguns casos haja na dislexia dominância cerebral atípica. Sabe-se que a partir do 6o para o 7o ano de vida há uma lateralização das funções linguísticas para o hemisfério esquerdo, o que pode não ocorrer em alguns disléxicas. Tal fato levaria a uma equipotencialidade hemisférica, maior freqüência de canhotos e ambidestros e dificuldades nas tarefas que envolvem cooperação inter-hemisférica. Tais achados são reforçados por estudos que utilizam testes de dupla estimulação sensorial com a estimulação dicótica no qual estímulos simultâneos são apresentados ao hemisfério direito e esquerdo. Enquanto indivíduos destros e 70% dos canhotos apresentam lateralização hemisférica esquerda para estímulos auditivos verbais. Nos disléxicos esta proporção estaria bastante diminuída ou mesmo invertida. Dificuldade na decodificaçâo e processamento de estímulos auditivos podem levar a alterações em testes do processamento auditivo central. No entanto é importante ressaltar-se que estes achados não implicam em uma forma específica de tratamento como o treinamento fonoaudiológico em cabine. Por que muitos disléxicos tem dificuldade com seqüências ou ritmo? Um outro aspecto que tem sido descrito na dislexia refere-se a disfunção nos chamados sincronizadores temporais da informação sensorial, no qual postula-se que não somente o lobo temporal e parietal esquerdo estariam envolvidos como também o cerebelo. Tal disfunção nos sincronizadores estaria refletida nas dificuldades de processar informação de seqüências temporais, motoras, com dessicronia em provas rítmicas já referidas anteriormente. Tal hipótese fortalece o apoio da reabilitação na consolidação de noções de ritmo/duração, do próprio conceito de tempo enfatizando técnicas que baseiam-se em fundamentos que poderiam ser visto como eminentemente musicais, rítmicos, que mudanças progressivas não dos estímulos da leitura mas principalmente da velocidade de apresentação dos fonemas e grafemas. Crianças disléxicas tem dificuldades visuais?O uso de lentes coloridas melhora o desempenho da leitura? Não há qualquer evidência de que o uso de lentes melhoraria a leitura de crianças com dislexia. A teoria visual da dislexia postula que há disfunção no sistema magno-celular responsável pela visão gestáltica, holística, sem detalhes, dos estímulos expostos rapidamente, contrariamente ao sistema parvo-celular responsável pela visão analítica de detalhes. Assim a dessincronia e a inabilidade de processar estímulos temporais estaria residindo nesta teoria no processamento da informação visual em níveis mais baixos do ponto de vista neurológico e funcional. A teoria do processamento visual atípico é bastante controversa na literatura e não possui confirmação científica. Como evoluem as crianças disléxicas? É importante ressaltar que o bom e o mau prognóstico da dislexia não depende apenas de fatores biológicos e neurológicos e sim do diagnóstico precoce, e conseqüentemente da instituição precoce da reabilitação. Isto irá permitira uma maior integração da criança com a escola, facilitar a aceitação e inserção social da criança na sociedade dos letrados. Os maiores indicadores de mau prognóstico além do bilingüismo, do absenteísmo escolar é o estigma que acompanha o não reconhecimento da dislexia pela sociedade. Um estigma que deve ser combatido com informação para que as crianças inteligentes e criativas não sejam marginalizadas e postas de lado do processo de inclusão social através da educação e a cultura. Mauro Muszkat