quarta-feira, 13 de maio de 2015

A pedagogia da essência e seus fundamentos filosóficos

Todas as verdades construídas e fixadas na história humana refletiram, não de forma absoluta, mas de modo predominante, as forças de dominação presentes nas relações sociais que se estabeleceram como baluartes de uma visão definida de mundo, homem e realidade, bem como do arcabouço epistêmico que sustentou essas concepções. Desse modo, a reflexão que se apresenta acerca da compreensão da pedagogia da essência remete-nos a uma análise da visão epistêmica da realidade e da concepção de homem e conhecimento desenvolvida por essa percepção que remonta a tempos recuados, a saber, o século IV a.C. O contexto da constituição desse modo de conceber o conhecimento inicia-se na Grécia Antiga, primeiramente com o filósofo Platão (Arístocles de Atenas), sucedido por Aristóteles, seu discípulo, e, nos primeiros séculos da era cristã, perpassando a Idade Média, com Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, filósofos e doutores da Igreja, que, embebidos de uma visão de pedagogia voltada à contemplação do Deus cristão, estabeleceram uma íntima relação entre o conhecimento (razão) e a permanente busca pelo divino. Cumpre, neste ponto da pesquisa, compreender o sentido de essência peculiar ao pensamento filosófico, para então alargarmos a discussão, caracterizando especificamente a compreensão dos pensadores que permeiam essa análise. De acordo com Abbagnano (2012), a essência, sob uma análise filosófica alargada, compreende a tentativa de responder à pergunta “o quê?”. Por exemplo, o que é o homem? A resposta a essa pergunta deve cercar o sentido último daquilo que homem não pode não ser. A inteligibilidade da resposta do homem como animal racional sustenta a percepção de A pedagogia da essência e as bases epistemológicas da formação do professor no Ratio Studiorum que ele tem como característica e substância a racionalidade (como afirmava Aristóteles), não somente a sua afecção animal, mas que a inclui, como essência. Assim, o pressuposto é buscar aquilo que define o “objeto”, nesse caso, o homem, substancial e não somente qualitativamente. Por isso, para Platão, o conhecimento sensível só é possível pela via metafísica (alma), como lembrança de um mundo ideal/essencial/conceitual de que o homem participa pela capacidade de direcionar sua razão à contemplação das verdades imutáveis. Nesse sentido, conhecer é lembrar (reminiscência). O pensador considerava a existência de dois mundos interdependentes: o mundo inteligível e o mundo sensível; interdependentes no tocante à noção de que a existência do mundo dos sentidos — ordenado por um plasmador (demiurgo) — só era possível como cópia imperfeita do mundo ideal perceptível por meio da dialética conceitual. Portanto, a essência do homem relaciona-se, em Platão, à busca permanente das verdades eternas da alma/razão, pelo viés epistemológico, isto é, pela filosofia. Como o conhecimento está pronto e acabado, imutável, organizado e hierarquizado, sob um ponto de vista pedagógico, era preciso impor um sistema que possibilitaria a condução do ser humano para além do mundo material, parcial e imperfeito, ou seja, existencialmente, o ser humano deveria ser conduzido, por meio do conceito e das ideias, ao mundo das essências, no qual seria o que deveria ser essencialmente, visto que o homem e todas as coisas existentes são verdadeiramente apenas no mundo das ideias. Cabe, desse modo, o entendimento de uma noção peculiar na concepção pedagógica acerca do conhecer em Platão: o mundo empírico é caótico, múltiplo e imperfeito, já o mundo das ideias constitui-se por uma dinâmica ascendente no processo dialético, tornando as impressões múltiplas ideias unas e imutáveis. Sendo ascendentes, tais ideias também são hierarquizadas, o que leva, por meio desse exercício, à noção de sumo bem e beleza absoluta, que, para o filósofo, é a ideia mais perfeita de todas, bem como a mais abrangente. No contexto cristão, as ideias platônicas receberam uma roupagem característica no tocante ao desenvolvimento conceitual de conhecimento e de ser humano com sentido religioso. Nos primeiros séculos da era cristã, Agostinho (345-430), utilizando a noção platônica da abstração e mundo das ideias, estabeleceu uma aproximação com sumo bem — conceito imutável para Platão —, usando-o como aporte teórico cristão para a sustentação de toda a existência humana voltada para Deus. O que antes era uma abstração, um conceito a ser alcançado pela filosofia contemplativa para se desvelar o verdadeiro homem e a verdadeira realidade, foi endereçado, como conhecimento e ferramenta fundamental, a conduzir o homem à sua origem. O humano, nesse sentido, é apresentado com uma dualidade ainda mais acentuada, o que define uma educação claramente fundada na distinção entre o eterno e o efêmero; desse modo, “acentuou[- -se], ainda com mais intensidade, o conflito interior do homem dilacerado entre o que o liga à vida material e o que o une ao mundo espiritual” (SUCHODOLSKI, 2002, p. 14). A alma, em Platão, além de ser compreendida como princípio da vida, era também base, princípio do conhecimento; por isso, para esse filósofo, competia à educação estabelecer qual alma predominava em cada homem — alma racional, irascível ou concupiscível —, para assim ser possível determinar a qual função social os sujeitos estavam destinados. Assim, “para Platão as pessoas não são iguais; por isso, devem ocupar posições diferentes dentro da sociedade e ser educadas de acordo com essas diferenças” (ARANHA, 1989, p. 50). O corpo, desse modo, era visto como corruptível, enquanto a alma, eterna, contemplava a beleza e perfeição do mundo inteligível. Agostinho, por sua vez, na estruturação dos princípios religiosos cristãos sobre o pecado original, adensou a noção de separação do homem em material e espiritual, afirmando ser o corpo elemento menos importante da dualização do ser humano, porém não mais um lugar de corrupção, mas de exílio da alma. Assim, não basta que a educação se negue a apoiar-se nessa realidade: deve também vencê-la. À verdadeira educação cumpre ligar o homem à sua verdadeira pátria, a pátria celeste, e destruir ao mesmo tempo tudo o que prende o homem à sua existência terrestre (SUCHODOLSKI, 2002, p. 14). A pedagogia da essência e as bases epistemológicas da formação do professor no Ratio Studiorum É nesse sentido que Agostinho aproxima-se da acepção de Platão acerca do conhecimento, pois o saber não é dado por meio da palavra, que apenas serve como um meio para que aquilo que está impresso na alma humana, isto é, a verdade, seja rememorada, visto que quem garante e possibilita a contemplação da verdade é Deus, utilizando o espírito humano. Quando ouço dizer que há três espécies de questões, a saber: ‘se uma coisa existe (an sit?), qual a sua natureza (quid sit?), e qual a sua qualidade (quale sit?)’, retenho as imagens dos sons de que se formaram estas palavras, e vejo que eles passaram com ruído através do ar, e já não existem. Não foi por nenhum dos sentidos do corpo que atingi essas coisas significadas nestes sons, nem as vi em parte nenhuma a não ser no meu espírito (AGOSTINHO, 1980, p. 179, grifos do autor).

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